Até hoje, o desfile da M.Officer com a instauração de sereias feita por Tunga é uma imagem que não me sai da cabeça. Alguns minutos de pura magia com as modelos moldando no próprio corpo uma cauda feita de papel alumínio. Ao lado delas, a intrigante arte das coisas de Tunga: ossos, uma matéria esbranquiçada, despojos. Vestidas com os tecidos líquidos bolados por Carlos Miele, elas encantaram a plateia e se encantaram com a própria beleza no espelho.

Foi uma época em que arte e moda andaram juntas na passarela de Carlos Miele, que além de Tunga fez parcerias com Paulo Mendes da Rocha, Hermeto Pascoal, Naná Vasconcelos, Cabelo, o videoartista Arthur Omar e muitos outros.

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O artista dos sapatos verdes

Até hoje lembro também dos sapatos verdes que Tunga estava usando em Paris ao lado da noiva Cordelia. Talvez uma sutil homenagem à sua musa e ativista das causas do planeta, que já chegou a tingir os cabelos de verde na adolescência. Almoçamos juntos com a jornalista Solange Watel no restaurante Charpentier. Apaixonados, ele e Cordélia, falaram dos planos para o casamento no Brasil.

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Tunga: 'a atividade de admirar a musa não exige qualquer esforço'

Encontrei os dois de novo já no Rio, cercados de verde, morando entre a Pedra da Gávea e o Itanhangá. No jardim selvagem, uma trança e um caveira conversavam entre as mangueiras da floresta tropical. Na ocasião, Leonardo Aversa fotografou Cordélia para a capa do caderno "ELA". Discreto, Tunga acompanhou tudo. "Ela não serve de inspiração para meu trabalho mas para meu ócio poético. A atividade de admirar a musa não exige qualquer esforço", afirmou Tunga, exaltando a importância da rede e do ócio.

Lagarteando entre lagartos

Tranquilidade doméstica somente interrompida com as investidas do Le Marquis (nome inspirado no Marquês de Sade), o papagaio de Cordélia, que morria de ciúmes de Tunga. Ócio entre insetos descrito pelo artista no livro "Tunga, Barroco de Lírios", editado pela Cosac & Naify. Sob o título: LAGARTE LEZART LESARTES

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"Cansado das imagens e dos livros nada me resta além da rede. Moro no sopé da Pedra da Gávea, muralha lítica, opaca às ondas de frequência de rádio televisão. Tenho no ócio o balanço da rede, nele insanos insetos a embalar um preguiçoso imaginário. Sou amante dos insetos, pequeninos diabos que me parecem os agentes da digestão de penosas leituras."

 

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